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Dormir a sesta reduz o risco cardiovascular? 

18 Mar 2024 - 09:41
impreciso

Dormir a sesta reduz o risco cardiovascular? 

Já sentiu a necessidade de dormir uma sesta? Depois de almoço, é comum sentirmo-nos “mais moles”, com sono e com vontade de relaxar. Há até países, sobretudo os de clima quente, como Espanha, em que dormir a sesta é tradição.

Mas será que dormir a sesta reduz o risco cardiovascular? Dois médicos, um cardiologista e um especialista em sono, esclarecem a questão.

É verdade que dormir a sesta reduz o risco cardiovascular?

Questionado sobre se dormir a sesta reduz o risco cardiovascular, José Pedro Sousa, cardiologista do Instituto Português de Oncologia do Porto Francisco Gentil e membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, explica que a evidência científica é “equívoca”.

No entanto, o debate aponta para um “impacto mínimo” no risco cardiovascular em caso de “sestas curtas” e de um “aumento do risco cardiovascular” em “sestas longas” (que durem mais de uma hora).

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Apesar de, em contexto de consulta, as pessoas “parecerem assumir, de antemão, que é um hábito benéfico para a saúde cardíaca”, aponta o cardiologista, as sestas longas parecem ter um efeito negativo para a saúde cardiovascular. 

Esta ideia é suportada por Tiago Sá, pneumologista, especialista em Medicina do Sono, diretor clínico da clínica Sleeplab e autor do livro “Acabe com as noites em branco”, que acrescenta que fazer uma “sesta curta de 20 ou 30 minutos” é “completamente diferente” de fazer sestas mais longas. 

As sestas curtas podem ser benéficas para a saúde, uma vez que este tipo de rotina “revela um estilo de vida mais pausado, preocupado com a saúde e bem-estar”, refere Tiago Sá.

No sentido oposto, as sestas “não planeadas” e “mais prolongadas” acontecem quando alguém não consegue manter as suas rotinas e precisa de dormir e são, por norma, resultado de “viver em privação do sono”.

“Está mais do que demonstrado que a privação do sono aumenta o risco cardiovascular e o risco de mortalidade por qualquer causa”, sinaliza o diretor clínico da Sleeplab.

As sestas de “20 ou 30 minutos” não prejudicam o sono noturno, ao contrário das mais longas, em que se entra em “sono profundo” e se tem “inércia do sono”, explica o especialista em medicina do sono.

Os dois extremos – dormir muito pouco ou dormir muito – são “prejudiciais”. Ou seja, o risco cardiovascular aumenta em pessoas que dormem poucas horas, mas também em pessoas que dormem “mais de nove horas” 

Na mesma linha, o cardiologista do IPO do Porto indica que as sestas custas poderão até reduzir os níveis de ansiedade e tensão arterial, enquanto as longas já foram associadas a um aumento do risco de doença cardiovascular e de mortalidade geral.

Um estudo sobre padrões de sono e o risco de AVC, publicado na Neurology Journal e que avaliou quase 4.500 pessoas, sugere que os distúrbios de sono estão associados a um risco aumentado de AVC. Os autores dizem que são necessários mais ensaios clínicos para determinar a eficácia de intervenções do sono na prevenção do AVC.

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Ao Viral, o médico José Pedro Sousa refere que a evidência científica documenta o aumento do risco cardiovascular perante um “sono insuficiente”, estimado em menos de sete horas por noite para a maioria dos adultos.

Aliás, sinaliza o mesmo cardiologista, em 2022, a American Heart Association alterou a lista de saúde cardiovascular global de “Life’s simples 7” para “Life’s essential 8” para incluir um “sono dito reparador”. A “Life’s essencial 8” trata-se das “principais medidas” para melhor e manter a saúde cardiovascular.

O aumento do risco cardiovascular “aumenta também a probabilidade de desenvolvimento de obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão arterial”.

Por outro lado, diz o membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, existem condições patológicas diretamente ligadas ao sono, como a síndrome da apneia obstrutiva do sono e da insónia, que “parecem aumentar o risco cardiovascular”.

A evidência científica documentou uma associação com uma arritmia, a fibrilhação auricular, o que, para o cardiologista, é possível de explicar pelo “efeito potencial da sesta na desregulação do ritmo circadiano” e do período de sono noturno.

Risco cardiovascular

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no mundo, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Só em 2019, estima-se que tenham morrido 17,9 milhões de pessoas com este tipo de doenças.

Segundo a World Heart Federation, 85% das mortes por doença cardiovascular são devido a enfartes agudos do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais. A mesma entidade diz ainda que um em cada três mortes ocorrem em pessoas com menos de 70 anos.

O risco cardiovascular diz respeito à “probabilidade de ocorrência de um evento agudo” relacionado com a “oclusão de um vaso sanguíneo” a nível do coração (ataque cardíaco), do cérebro (trombose) ou, por exemplo, do membro inferior, explica José Pedro Sousa.

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Essa probabilidade pode estender-se também a outros eventos, como a “insuficiência cardíaca, a morte súbita ou determinadas arritmias cardíacas”, como a fibrilhação auricular.

De acordo com o membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, há “evidência científica robusta” sobre a “associação causal” entre o risco cardiovascular e “numerosas condições”, como obesidade, diabetes mellitus,  hipercolesterolemia e a hipertensão arterial. 

Contudo, “muitas outras” têm vindo a ser apontadas. É o caso da doença renal crónica, a hiperuricemia, a síndrome do ovário poliquístico e a depressão.

Além disso, “simples hábitos” poderão interferir no risco cardiovascular, diz o cardiologista do IPO, salientando o consumo excessivo de álcool, consumo de tabaco e sedentarismo.

A adoção de um estilo de vida saudável é a medida que “configura um verdadeiro sustentáculo” da redução do risco cardiovascular. Ou seja, o consumo de uma dieta regrada, pobre em alimentos ultraprocessados e carnes vermelhas e rica em produtos vegetais, e a prática regular de atividade física.

De acordo com a OMS, a maioria das doenças cardiovasculares pode ser prevenida através da abordagem de fatores de risco comportamentais. É importante que estas doenças sejam detetadas “o mais cedo possível”, indica a mesma entidade.

Por outro lado, aconselha o cardiologista consultado pelo Viral, doentes que já apresentem fatores de risco, como obesidade, diabetes e hipertensão arterial, devem mantê-los sob controlo, se for preciso, com recurso a intervenções (incluindo cirúrgicas) ou fármacos.

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O médico do IPO refere ainda que o controlo é “particularmente” importante em casos mais extremos, em que o doente apresenta já “doença cardiovascular estabelecida”. Por exemplo, se já tiver tido um enfarte agudo do miocárdio (ataque cardíaco) ou um acidente vascular cerebral (trombose).

A angina é um dos sintomas mais relevantes de doença cardíaca. É uma forma particular de dor no peito que, segundo José Pedro Sousa, tende a “principiar ou agravar perante o esforço físico e a melhorar ou remitir perante o restabelecimento de uma situação de repouso”.

Outros sintomas deste tipo de doença são a dispneia (falta de ar) e o cansaço em pequenos esforços, palpitações (sensação consciente e, muitas vezes, desagradável ou intensa do batimento cardíaco), desmaio e edema periférico (inchaço), muitas vezes em ambas as pernas.

Contudo, o médico salienta que, mesmo em situações de “total ausência de sintomas”, é importante rastrear proativamente a saúde cardiovascular.

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18 Mar 2024 - 09:41

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